(Por Mariana Meira)
O Telegram cumpriu ontem (10) uma ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou a remoção de uma mensagem enviada aos usuários da plataforma que atacava o PL das Fake News. O Judiciário obrigou ainda o Telegram a disparar uma nova mensagem informando que o comunicado anterior caracterizava “flagrante e ilícita desinformação”.
Relator do inquérito das fake news na corte, o ministro Alexandre de Moraes determinou que a remoção do conteúdo e a retratação da plataforma deveriam ocorrer no prazo de uma hora, a contar da intimação da defesa da empresa. Caso não tirasse o texto do ar, poderia ser suspenso por um prazo de 72 horas.
“Por determinação do Supremo Tribunal Federal, a empresa Telegram comunica: A mensagem anterior do Telegram caracterizou FLAGRANTE e ILÍCITA DESINFORMAÇÃO atentatória ao Congresso Nacional, ao Poder Judiciário, ao Estado de Direito e à Democracia Brasileira, pois, fraudulentamente, distorceu a discussão e os debates sobre a regulação dos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada (PL 2630), na tentativa de induzir e instigar os usuários a coagir os parlamentares”, diz o texto.
O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) deve incluir o Telegram na sua investigação para apurar a atuação de empresas de tecnologia contra o PL.
ENTENDA O CASO
Na terça (9), o Telegram enviou aos seus usuários uma mensagem segundo a qual “o Brasil está prestes a aprovar uma lei que irá acabar com a liberdade de expressão”.
Segundo o texto do Telegram, o projeto daria ao governo “poderes de censura sem supervisão judicial prévia”. A empresa estimula os usuários a entrarem em contato com deputados. O texto do projeto de lei não dá ao governo ou outro órgão administrativo o poder de determinar que conteúdos específicos devam ser removidos das redes.
No texto enviado aos usuários, o Telegram afirmava ainda que “a democracia está sob ataque no Brasil” e diz que a Câmara deve votar o projeto em breve, criticando a alteração do texto, que teve novos artigos incluídos.
PL DAS FAKE NEWS
O texto em tom alarmista do Telegram diz respeito ao projeto de combate às fake news tramita na Câmara dos Deputados. Na semana passada, o PL chegou a ser incluído na pauta, mas não foi votado, diante da falta de consenso.
A proposta veio do senador Alessandro Vieira (CIDADANIA), em 2020, com o objetivo de endurecer a responsabilidade e a transparência em tempos de desinformação na pandemia. A matéria tramitou na Câmara até junho de 2022, quando ficou parada até março deste ano, mês em que foi apresentado um requerimento para criação de uma Comissão Especial destinada a dar andamento ao projeto.
Adaptado, o projeto prevê regras para publicação de conteúdo, como a obrigatoriedade de identificação dos usuários de redes sociais e aplicativos de mensagens e exigência que veículos jornalísticos com mais de dois anos deverão ser remunerados por essas empresas, em troca do conteúdo produzido.
O PL 2630 também estabelece regras para a propaganda eleitoral na internet, com a obrigação de identificação dos patrocinadores das postagens, prevendo punição para quem divulgar informações falsas com fins eleitorais e a responsabilização das plataformas por danos causados por esses conteúdos.
As plataformas também deverão remover conteúdos ilícitos que incitam crimes em 24 horas. Do contrário, poderão pagar multa de R$ 50 mil até R$ 1 milhão por hora.
GUERRA POLÍTICA
Apesar da pressão exercida pelos parlamentares favoráveis à matéria, o presidente da Câmara, Arthur lira (PP), adiou a votação no início de maio. A decisão foi tomada após pedido do relator do PL, Orlando Silva (PcdoB), e a manifestação de líderes da Casa. O motivo é a demanda por alterações no texto – de acordo com o relator, o objetivo é garantir uma “posição que unifique o plenário da Câmara dos Deputados num movimento de combater a desinformação”.
Já para a oposição, o adiamento também é conveniente, uma vez que vê o projeto como uma espécie de “censura”, além de envolver interesses de grandes empresas de tecnologia ao redor do mundo que atuam no Brasil.
Partidos de oposição, por exemplo, planejam votar a favor da remuneração de artistas e empresas de produção de conteúdo jornalístico pelas “big techs” em projeto separado ao da lei das fake news. O objetivo é esvaziar o lobby a favor da integralidade do PL e impedir que ele volte a ser votado na Câmara.
A bancada evangélica está pleiteando pedir a inclusão da remuneração de líderes religiosos como produtores de conteúdo que também deveriam ser remunerados pelas big techs. A rejeição dos parlamentares evangélicos foi fundamental para a retirada de pauta do PL.
A principal divergência no PL das Fake News é sobre a agência que vai fiscalizar o “dever de cuidado” das plataformas com a publicação de conteúdos de ataque a democracia, pedofilia, racismo e outros temas. Hoje a principal alternativa é que fique com a Anatel.
Ontem, o grupo liberal Livres divulgou uma nota na qual critica a decisão do ministro Alexandre de Moraes de determinar ao Telegram que retirasse do ar o texto. Disse que, ao fazer isso, “o Supremo Tribunal Federal age como tutor da opinião aceitável, atitude inteiramente incompatível com o papel de uma Suprema Corte em democracias liberais”.
De acordo com o Livres, o Telegram tem o direito de se manifestar contra uma mudança na legislação que pode prejudicar o funcionamento da ferramenta.
PRÓXIMOS PASSOS
Se aprovado em votação pelos deputados, o projeto volta para apreciação no Senado, de onde foi originado. A perspectiva é que o texto também seja aceito pelos senadores. Caso isso ocorra, o documento segue para a sanção presidencial, para virar lei.
O presidente Lula (PT), no entanto, ainda tem a possibilidade de vetar na íntegra pontos específicos do projeto. Isso faria com que ele voltasse aos parlamentares. Nesse cenário, senadores e deputados têm ainda o poder de derrubar o veto do presidente, ou acatá-lo.